terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Sahara

Hoje me vi em tuas retinas. E como super herói das revistas em quadrinhos impregnei-me do raso dos teus olhos transmutando-me em duas gotas reluzentes que evitavam  à todo custo desabar no precipício.
Precipício que construí, e me corrói permeando-me em todos os desamores como as sílabas mortas que silenciam ante incautas folhas dum virgem papel.

Negligente, pois tão fácil era te amar, mas não consegui, privando-me assim das coerências e no notar à tempo o quão árido havia me tornado. E agora debato-me, toco-me nas peles e o tato acaricia o álgido capitão empoeirado,  algo bruto e insensível, que, valeu-se do corpo fechado, mas que agora olha para o passado, e vê emocionado as gotas reluzentes que tentam não desmoronar diante de mais-um-sem-fim


Porém o peso dessas lágrimas se fez sentir e não mais me sustentei.
E eu, sem saída escorri-me por tuas faces numa dor tão víscera e definitiva  que prostrei-me diante a possibilidade da morte. Não da morte perene, da carne, desses espíritos que descarnam e se entrincheiram nas fúnebres alamedas dos cemitérios. Não, esta não, mas sim no da morte da alma, um passamento repleto de dores e melancolias nos abismos que se edificaram em mim.
Sim, foi o falecimento da minha desconstrução, o derradeiro ato dum atirador covarde que fugiu ao temer as emoções, essas que revivem intensas e com a mesma força dum sorriso que ofertamos ao primeiro amor.

Contudo, após desaguar-me  sorriste-me cintilante e tímida, pois sei;  este sorriso jamais foi teu, mas sim da galhardia guerreira que se queda ao inexorável fim.

Portanto meu amor, hoje não me houve forma outra se não  chorar-te a olho nu num compartilhar teares enredados pelas tristezas. E me foram lágrimas honestas apesar de retraídas, aliás, mais que retraídas; foram lágrimas envergonhadas que não se ocultaram para ti.

- “Quites” - Foi a resposta que me destes num murmúrio e numa feição tão desolada quanto a minha.

Depois disso sorriu, beijou-me as faces como beijaria as de um amigo próximo, e partiu para sempre.


Copirraiti Dez2010
Veio China ©

domingo, 26 de dezembro de 2010

Monólogo - À moda antiga -

Querida.

Queria dar-te todas as flores, todos os amores e as mais de mil rimas quais desdenham os insensíveis: “Poeta que rima flor com amor não se leva a sério, é um pavor” – Eles dizem ao sorrir zombeteiros - Portanto minha flor, exposto ao escárnio não espere de mim fartas palavras de cunho emocional. Poupe-me de conotá-las com o amor, pois seria o teu fim, o meu fim.

Além do mais preciso atualizar-me e ser o outro lado da moeda destes sujeitos descolados: Quem sabe um poeta visionário a levar-te em caudas de cometas e a fazer-te presente as estrelas, os sóis e as luas?
Ah sim! Pouco importaria que elas estejam em estado decrépito ou em fase minguante.

Evidente, elas são partes de um complexo quebra-cabeça num universo quântico habitado por poesia eclipsada e versos fosforescentes, preferencialmente em escalas de azul, cinza e lilás. Contudo, se é assim que me querem....assim me terão – Fantasioso -
Portanto meu amor não pense mais nisso e deixemos estas tolas bobagens de que trata o amor. Não falemos dos simbolismos e nem das flores.
Versemos, por exemplo, sobre os fenômenos que ocorrem no universo; parecem-me tão interessantes.

Veja, meu bem. Se faz importante sermos iguais a estes poetas e não perdermos as caudas dos cometas que nos levarão muito além dos pífios saberes e o parco de nossas sensibilidades. Contudo, lá chegando uma coisa eu prometo; longe das discriminações petulantes e da arrogância dos olhos que nos querem frios eu sorrirei ao mostrar-te o melhor dos meus truques; Do negro vazio de uma cartola farei surgir as mais lindas rosas vermelhas, e as te ofertarei; Flores para uma dama, como jamais deveria deixar de ser.

E então sorrirás e teus olhos cintilarão umedecidos. E eu, feliz como criança que ganha a primeira bicicleta espelhar-me-ei no motim das tuas lágrimas e te exalarei juntamente com o aroma do buquê de flores.

“Eu te amo minha flor! Serás para sempre o meu inesquecível e eterno amor” – Confessarei antes de quedar-me ao escárnio dos poetas e da poesia mor.

E esse aroma de sentimento inigualável, tragado e expelido por meus lábios num rápido sussurro se traduzirá em sentença de morte da minha fração poeta e de uma poesia tosca e desqualificada.


Copirraiti Dez2010
Véio China©

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Calendário

Cansei de olhar para estas paredes
Dolorosas e tão beges que entristecem os olhos
Cansei de tingi-las com fumaças acinzentadas
Expelidadas por meus cigarros assassinos
Cansei de te supor no jardim e ouvir tua voz
Voz que não era tua e sim de minha privação

Cansei! Simplesmente cansei

Cansei de olhar pela janela
E por entre os recortes dos vidros estilhaçados
Cansei de imaginar-te novamente em meus braços
Anestesiada de carícias e chamas que não se apagam
Cansei, nada havia senão porções de legítima saudade
Incrustada na doída melancolia dos meus fragmentos

Cansei. Cansei de presumir que era mera questão de tempo

Cansei do general entrincheirado em seus lamentos
Que não te arrebata e nem te faz faminta de nossas entranhas
Cansei da nostálgica herança deixada neste teu retrato esmaecido
Fadigado com as beges paredes e o fim dos dias em meu quarto
Cansei tanto que hoje te faço apenas um número que assinalo em Xis
Ponto de partida para uma data a ser esquecida em meu calendário


Copirraiti 2010Dez
Véio China©

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Captain my Captain

Impetuosa, a tempestade avassala o que resta
No quebranto do além mar
Diviso o horizonte e ele me confunde;
O que vislumbro é arco-íris ou cores de quimera?


Desorientado, dobro-me às terminações nervosas
Sangro lamentos e as interseções do meu tempo
Qual a finalidade de mim nessa imensidão azul?
Sem saber, amaldiçôo naquilo que me fiz sobrevivido


Não sei quem sou, apenas deixo-me levar nas ondas;
Talvez eu seja nada mais que essa velha nau solitária e à deriva
Singrando águas salubres que não me imergem e nem resgatam
A consciência perdida e nem o sujeito que um dia fui.


Copirraiti 2010Dez
Véio China©